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Economia compartilhada em Santos: um tema essencial para a cidade

No início dos anos 2000, o urbanista e pesquisador Richard Florida começou a mapear a ascensão da classe criativa, ou “creative class” como ele aborda em seus livros. Richard se refere às pessoas talentosas que trabalham com ciência e tecnologia; artes, cultura e entretenimento; negócios de alta complexidade, finanças e gestão, além das profissões de direito e saúde.

Se pensarmos bem, há um século atrás, menos de 10% da força de trabalho americana se encaixava nessa descrição. Em 1980, sua participação já havia dobrado para 20%. Hoje, a classe criativa compõe até 40% da força de trabalho dos EUA, especialmente em países como Suécia e Dinamarca e grandes cidades e áreas metropolitanas, especialmente em países desenvolvidos. Essa força pelas oportunidades econômicas que as cidades oferecem, especialmente para os mais jovens, desencadearam um renascimento urbano.

Mas não são apenas as oportunidades econômicas que fazem essa mudança acontecer. As comodidades de uma cidade, como lazer, entretenimento, vida cultural, restaurantes, cafés, bares, entre outras amenidades, entram na conta. De tempos para cá, outros elementos também se tornaram atrativos para que as pessoas pudessem escolher suas cidades, como ambiente de negócios, redes de empreendedorismo, coworkings, hubs e grupos de afinidades. Tudo isso tem relação com a economia compartilhada.

Ainda falando dos Estados Unidos, sempre gosto de relembrar o caso dos 12 bilhões de dólares anuais que Nova York perdeu entre 2021 e 2022 por conta do movimento migratório mapeado pelo Censo americano. Esse dinheiro, “mudou” para outras cidades.

No Brasil ainda temos poucos dados sobre essa migração, visto que nosso Censo pula de 2010 para 2022. Mas, no cotidiano, percebemos o quanto Santos e Praia Grande sentiram efeitos parecidos. Em março de 2024, fizemos uma chamada bem rápida no Instagram do Juicy Santos, que durou 96 horas de pesquisa e conseguimos mapear, nesse curto intervalo de tempo, 186 respondentes que haviam mudado para Santos, Praia Grande e Guarujá, em busca de “fugir de São Paulo” para uma vida com mais qualidade.

O trabalho remoto ou híbrido, vontade de empreender ou de “mudar de vida” são elementos chave para essa conversa. E outro elemento chave é o quanto nossas cidades da Baixada Santista – e outras cidades médias do Brasil, especialmente às que estão em regiões metropolitanas, precisam se preparar para uma mudança cultural, caso queiram ser capazes de fortalecerem e diversificarem suas economias.

Economia compartilhada em Santos

É impossível falar de economia compartilhada em Santos sem mencionarmos os coworkings da cidade. Eles não são o único aspecto da economia compartilha, mas são um elo fundamental para que os locais tenham mais oportunidades caso desejem empreender e fortalecer redes, e os newcomers (ou recém chegados) tenham menos barreiras para adentrar a cidade do ponto de vista social e econômico. Ambos os casos se beneficiam de um enriquecimento rápido de capital social, fator importantíssimo para as economias locais.

Isso sem falar dos nômades digitais: a Baixada Santista é um prato cheio para eles em termos de amenidades, contato com a natureza e estilo de vida – esse é um público que não vive sem circular por coworkings.

Para conversar sobre esse tema, convidamos três empreendedores locais que atuam na área da economia compartilhada. Aline Brito, atua no Espaço Certo, que foi um dos espaços compartilhados pioneiros em Santos, em operação desde 2011. Osmar Donato, cofundador do Hub Santos, começou essa empreitada em 2019. Eu, Ludmilla Rossi, co-fundei e inaugurei o Juicyhub em 2021, em plena pandemia. Assim como o Jorge Sahade, do Ocean Offices, que inaugurou o espaço em 2022.

“Começamos na época do pré-sal, em que havia uma grande expectativa para Santos. Meu diretor, Gabriel Jacinto, diz até hoje que ele é viúvo do pré-sal, porque ele achou que ia acontecer muita coisa,que não aconteceu. E aí fomos encontrando aí o nosso caminho, saindo de 350 metros quadrados no início do negócio, para 1000 metros quadrados hoje.” – Diz Aline, que é a linha de frente do espaço desde 2011.

Espaço Certo em SantosAmbiente de convivência do Espaço Certo, em Santos

O pré-sal de fato trouxe para Santos muitas esperanças. Nessa época a cidade chegou a ser capa da Veja São Paulo, acompanhada de um grande boom imobiliário. Para se ter uma ideia, haviam pouquíssimas lajes comerciais modernas por aqui naquela época. Os grandes prédios começaram a ser planejados nesse mesmo contexto: baixa disponibilidade de espaços fora do centro histórico somada à promessa do pré-sal.

No caso do Hub Santos, Osmar conta que o espaço surgiu da necessidade dos sócios, que precisavam de um espaço para seus pólos de educação à distância.

“A gente também tava iniciando o trabalho com a universidade e precisávamos de espaço. Queríamos que fosse lá (no Praiamar Corporate) de qualquer jeito. Juntamos o útil agradável e a gente pensou em fazer um coworking. Expandindo aos poucos lá dentro hoje a gente tá com 550 metros quadratos lá no prédio para e estamos quase sem espaço, graças a Deus, mas é é difícil esse começo.” – conta Osmar.

A história de coworkings que nascem com demandas dos próprios donos é bem comum no Brasil, diferente dos Estados Unidos. Por lá, as grandes marcas do setor já nascem como modelo de negócios. Por aqui, a maior parte dos casos nasce da dor do próprio empreendedor. Seja porque eles possuem outros negócios e tem a vontade de consolidar essas iniciativas num lugar só, aproveitando esse expertise de gestão para abrir espaços para outras pessoas, seja para reduzir seus custos operacionais. Em minoria, para dar vida à outros negócios.

No caso do Jorge Sahade, empreendedor experiente, ele deu um novo uso para um imóvel. Com a localização estratégica do imóvel, muito perto da praia, o empreendedor experiente embarcou na ideia de criar o Ocean Offices.

“Meu caso não é diferente eu tinha uma empresa que não tinha nada a ver com isso era um plano de saúde odontológico que foi vendida. Os imóveis são meus. Eu vendi a carteira de clientes os imóveis estavam lá ociosos. Eu ia pro escritório por não gostar de ficar em casa na pandemia, com dúvidas do que seria o futuro desses imóveis. Aí uns amigos falaram que aquele espaço poderia ser usado para outras empresas. Virou um condomínio.” – Conta Jorge.

Jorge também conta que fez uma pesquisa quando começou a pensar na questão dos espaços compartilhados e descobriu que, na época eram 20.000 pessoas que saíam de Santos diariamente usando o sistema de ônibus fretados para trabalhar em São Paulo, ABC Paulista ou Alphaville. E isso o deixou inquieto: “20.000 pessoas da melhor qualificação, com os melhores salários. Eu falei que desses 20.000 eu precisaria de ter 200 aqui. Fui perguntar para algumas dessas pessoas por que elas não ficavam em Santos e a resposta era: ‘eu não troco a cultura organizacional de São Paulo pela em Santos'”.

Mas os impactos negativos que isso traz para a economia local são visíveis: imagine que grande parte dessas pessoas deixam de comer nos restaurantes locais, de comprar bens de consumo no comércio local e passam grande parte da rotina fora, usando a nossa cidade durante a semana apenas como dormitório. Migrar parte desse uso da turma do fretado para home office ou trabalhar em coworkings, retém essa movimento econômico na cidade, favorecendo a pequena economia local. A pergunta é: como melhorar a cultura profissional da cidade?

Os impactos da economia compartilhada

A economia compartilhada é muito acelerada pela presença de coworkings em Santos. Mas não apenas os coworkings fazem parte disso: aplicativos de mobilidade como Uber, soluções de hospedagem como AirBnb e aplicativos menos conhecidos no Brasil como os de trocas de objetos entre vizinhos e até mesmo os de economia circular como Enjoei, são parte desse movimento de mercado.

Se de um lado a economia compartilhada traz benefícios para as cidades, muito se fala sobre a economia GIG, ou economia flexível, que é caracterizada pelos contratos de curta duração e a falta de regulamentações. Uma conversa que dá pano para a manga. Mas são inegáveis as vantagens do aumento da cultura de economia compartilhada nos territórios da Baixada Santista, que passam por:

  1. Acesso a produtos e serviços: A economia compartilhada democratiza o acesso a produtos e serviços que antes eram inacessíveis para muitos, como escritórios, hospedagem, transporte e serviços profissionais. Isso pode promover a inclusão social e melhorar a qualidade de vida da população.
  2. Melhora do ambiente de negócios: Isso tem tudo a ver com qualificação profissional, cultura de serviços, empreendedorismo e a cultura organizacional de ambientes mais competitivos, como São Paulo.
  3. Aumento da renda e oportunidades: A economia compartilhada em Santos pode criar novas oportunidades de renda para indivíduos e pequenos negócios, permitindo que monetizem seus recursos ociosos, como carros, imóveis e habilidades. Isso pode levar à maior inclusão financeira e à redução da pobreza.
  4. Estímulo à inovação e ao empreendedorismo: O modelo de negócios da economia compartilhada incentiva a inovação e a criação de novos produtos e serviços, atendendo às demandas dos consumidores de forma mais eficiente e personalizada.
  5. Eficiência no uso de recursos: O compartilhamento de bens e serviços reduz a necessidade de produção e consumo individual, otimizando o uso de recursos naturais e diminuindo o desperdício. Isso contribui para a sustentabilidade ambiental e para a preservação do meio ambiente.
  6. Fortalecimento da economia local da Baixada Santista: O aumento da atividade econômica gerado pela economia compartilhada contribui para o desenvolvimento local, criando novos empregos e impulsionando o crescimento de empresas e negócios, principalmente entre as cidades conurbadas, como as nossas.

Juicyhub, exemplo da economia compartilhada e coworking em Santos

Espaços do Juicyhub e Santos. Foto: Yara Tomei

A questão do acesso é um ponto essencial da economia compartilhada. Muitas vezes faz com que as pessoas tenham acesso à mais serviços e produtos, que antes só estariam disponíveis através de uma transação financeira muito maior. Isso pode colocar mais pessoas no jogo, especialmente quando falamos de crescimento profissional. E também desacelerar a mortalidade de pequenos negócios.

“Se a gente ficar ainda cada um no seu canto, a tendência é morrer. Porque essa é a tendência natural. Eu brinco que assim empreendedor que se isola é igual cachorro, que quando se enfia embaixo do do armário é porque tá para morrer. Não pode. Num coworking tem que toda hora ali gente buscando trocar, porque no fim das contas se a gente entre a gente não se fortalecer, a gente se mata. E não pode. O mercado da Baixada Santista tem muito potencial.” diz Jorge.

Essa visão de que concorrentes não podem dividir espaços, informações e até talentos, é uma ilusão do século passado. A nova economia, quem tem muito em sua base os serviços e o compartilhamento, aponta para a coo-petição e a colaboração. Isso vale para pequenos negócios, mas também vale para os gigantes. Não é à toa que muitas empresas grandes buscam soluções de inovação aberta e muitas construíram seus próprios hubs.

E mais importante: os próximos anos serão de grandes transformações no mercado de trabalho e no deslocamento de empregos, com a expansão da inteligência artificial e das profissões que estão surgindo e ainda não conhecemos. Como bem disse o Jorge Sahade, não se isolar é um grande caminho para que essas mudanças aconteçam de maneira próspera para todos.

O podcast completo com as pessoas citadas nesta matéria, está abaixo e também no no YouTube.

Texto porLudmilla Rossi
Santos